4 de março de 2016

Leveza, consistência e a micropolítica do cotidiano





Desde que entrei na Luminara Editorial, tenho pensado sobre o privilégio que é poder trabalhar em um lugar com cujos princípios diretores eu tenho bastante afinidade e na área que me apaixona. Isso só é possível graças a condições financeiras prévias, uma educação de qualidade, um percurso familiar e social que me deu liberdade para ir descobrindo quem sou e no que acredito, enfim, uma série de condições que me permitem dizer não à proposta de trabalho de uma multinacional e preferir trabalhar em uma pequena editora.

O pequeno, o próximo, o íntimo. E também o leve, o simples, o cuidadoso. Estas são ideias que orientam a Luminara e sobre as quais tenho conversado com a editora e diretora, Betina, nas nossas reuniões de trabalho. Em uma dessas conversas, descobrimos o carinho em comum pelo escritor italiano Ítalo Calvino, que, não por acaso, inicia suas Seis Propostas para o Próximo Milênio (Cia. da Lestras, 2012) falando sobre a Leveza.

O livro é um conjunto de cinco conferências ministradas por Calvino na Universidade de Harvard, em 1985, como convidado anual das Charles Eliot Norton Poetry Lectures. Cinco porque ele faleceu antes de escrever a última, que se destinaria à Consistência. Saliento esta ausência porque a considero significativa para uma leitura de nossa época. É como se Calvino tivesse sido impedido de dizer com todas as letras aquilo de que carecemos para reconhecer a diferença entre leveza e leviandade. É como se ele tivesse deixado que a palavra solitária – sem definições - nos provocasse a pensar sobre o que está nos faltando.

Não há leveza sem peso, diz Calvino, ecoando séculos de metáforas sobre as dicotomias necessárias entre a terra e o ar, o terreno e o espiritual, o material e o abstrato, o desânimo e a alegria. E se esses pares já estão tão desgastados em nossas mentes, por que ainda ganham relevância na virada do século XX para o XXI? Porque há milênios temos dificuldade de nos livrar do peso da vida – das relações pessoais e politicas, das pressões e desigualdades sociais, das angústias existenciais – sem cair na leviandade ou na tragédia. Dói admitir, mas vencer o peso não é ignorá-lo, isolando-se em uma posição defensiva ou alienada; nem abandonar-se a ele, com uma atitude niilista.


Vencer o peso é assumi-lo e transformá-lo, por meio de um trabalho constante que o faça perder em excesso e insustentabilidade o que ganha em consistência. Mais uma vez, estamos falando de privilégios e, por isso mesmo, de responsabilidades: isto de poder e dever usar a reflexão, o conhecimento, a capacidade criativa, a abertura para os encontros, de maneira engajada, buscando construir relações pessoais, sociais, de trabalho, que sejam leves e consistentes. É claro que ninguém sabe como fazer isso a priori, mas a história – social e pessoal – tem me feito acreditar cada vez mais nos efeitos do pequeno, do próximo, do íntimo - na micropolítica do cotidiano.

Giulia Barão

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