1 de abril de 2016

Vamos com calma: desaceleração e slow publishing

Desde a época em que nossos antepassados andavam a cavalo e mandavam cartas, ou simplesmente plantavam e comiam os próprios alimentos em comunidades isoladas além de estradas e telégrafos, não foi só o tempo que passou, nós também passamos a perceber o tempo de outra forma. Forma esta agravada em suas dimensões de simultaneidade e velocidade. Segundo especialistas, produzimos mais informação na última década do que nos 5 mil anos anteriores. Não à toa, o mal-do-século XXI é a ansiedade. Como atender a todas as demandas e ofertas de contato, informação, engajamento, conhecimento, consumo que a internet nos oferece? Como escolher de maneira qualificada o que nos serve dentre o universo de dados e possibilidades que a rede constantemente apresenta e modifica? Como se manter a par do que acontece no mundo sem perder o tempo precioso que é preciso para conhecer o nosso mundo interior? 

Começando por problematizar a falsa sinonímia existente entre velocidade e eficiência - ideia propagada pela ideologia do consumo de massas e da produtividade capitalista. De fato, a velocidade é um valor se precisamos atender demandas expressas e massivas, como por exemplo, a de alimentação. Ou quando o objetivo é a simples acumulação de capital. No entanto, se a vida humana ainda tem objetivos maiores que este - amizade, amor, conhecimento, bem-estar - a velocidade perde sua supremacia. Além do veloz, precisamos também do lento, do vagaroso, do tranquilo, e, sem dúvida,  do tempo que congela num instante singular. 


Nesse sentido, a literatura é um lugar de resistência. O tempo de ler um romance ou de mergulhar num poema não é o mesmo com que acompanhamos as postagens do Facebook. E dizer que "o tempo não é o mesmo" vai além de sua dimensão cronológica. Muda aqui a qualidade do tempo. Como? Milan Kundera, com sua maestria em misturar reflexão filosófica e literatura, escreve em sua obra A Lentidão, que “Há um vínculo secreto entre a lentidão e a memória, entre a velocidade e o esquecimento. (…) o grau de lentidão é diretamente proporcional a intensidade da memória; o grau de velocidade é diretamente proporcional à intensidade do esquecimento." Em outras palavras, o que nos constitui - seres de história e de memória - não é a soma veloz dos acontecimentos e informações, mas a lentidão impregnante daquilo a que dedicamos tempo. Não só a literatura, mas tudo aquilo que nos exige entrega e, portanto, conexão, acessa essa qualidade lenta do tempo - como um rio de planície que vai aprofundando gradativamente o seu leito, até criar majestosos cânions. Desacelerar, portanto. Desacelerar para absorver. Desacelerar para produzir outro tipo de eficiência - não a da produtividade numérica, mas a da profundidade sensível. 

 Por produzir livros, uma Editora já é, dentre os tipos de empresa existentes, uma das menos velozes. Apesar disso, não está alheia às pressões do mercado e do nosso modo de vida urbano - impessoal, acelerado, desatento ao meio ambiente. Consciente disso, a Luminara Editorial nasceu como uma proposta de slow publishing, um neologismo que dialoga com o movimento da slow food, em contraposição ao fenômeno de consumo dos fast-food. A slow publishing tem três eixos fundamentais: Go Local, Go Green e Go Personal. Isto é, a valorização do local, a ideia de sustentabilidade e a preferência por parceiros de trabalho de pequena escala, membros da comunidade local. Mantemos esses pilares como foco de nossa atuação. Procuramos estabelecer parcerias com livrarias pequenas da cidade, manter relações diretas com nossos fornecedores e parceiros, fazer pequenas tiragens projetando o público interessado, evitamos produzir convites e propaganda em papel. Também procuramos trabalhar com prazos flexíveis e com respeito à capacidade humana de criar – obras e relações – com densidade, e não com pressa. Esses objetivos são tensionados pela velocidade com que o mundo segue funcionando e com nossa vocação para coelhos da Alice. Não obstante, nos esforçamos diariamente para andar mais devagar, prestando atenção no caminho e na qualidade de cada passo.

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