...e viveram ciumentos e felizes para sempre- Uma abordagem do ciúme no cotidiano e de como lidar com ele de forma saudável. Donatella Marazziti. Porto Alegre, Casa Editorial Luminara, 2009. Tradução: Betina Mariante Cardoso.
No percurso de tradução do livro da psiquiatra e pesquisadora italiana Donatella Marazziti sobre a neurobiologia do ciúme, surgiu a curiosidade pela etimologia da palavra, a partir da minha leitura de Roland Barthes nas páginas de Fragmentos de um Discurso Amoroso. Pois vem do latim zelumen, referente a uma espécie de zelo. Uma curiosa descoberta a desse parentesco semântico, coincidindo com o exposto por Donatella Marazziti, que aponta o ciúme, quando normal, como a salvaguarda da relação amorosa. As variações idiomáticas do ciúme, aspecto de excelente desenvolvimento no livro, demonstram que este é uma emoção universal: em idiomas diversos, gêneros diversos, culturas diversas. Ser ciumento é ser zeloso pela relação conjugal, quando o amor está presente. E, aqui, um ponto chave que alinhava o texto da pesquisadora: a presença do amor nas entranhas do ciúme.
“ ...e viveram ciumentos e felizes para sempre”, tradução literal do original em Italiano, é um título bem-humorado, de um texto acessível ao leitor leigo, ao mesmo tempo em que traz - além de esclarecimentos, resultados de pesquisas e testes sobre o ciúme, cientificamente fundamentados, elaborados a partir das pesquisas da autora na área da biologia das relações afetivas - o recado de que há possibilidade de o ciúme e a felicidade conjugal viverem em harmonia. Mas lá adiante aparece também sua outra faceta, a patológica, em que ele provavelmente perde a qualidade do zelo para tornar-se louco ou, muitas vezes, agressivo e cruel. Em outros casos, o ciúme torna-se uma busca interminável de sinais de infidelidade e mentiras, uma busca ruminativa e sem trégua. Tais aspectos fazem lembrar a semelhança entre tal emoção e as idéias obsessivas do Transtorno Obsessivo Compulsivo, apontada por Donatella em seu livro e nos estudos que conduziu com seu grupo de pesquisa.
A literatura de ficção tem apresentado situações exemplares de ciúme entre personagens. Na ficção brasileira, talvez o quadro mais representativo esteja em Dom Casmurro, de Machado de Assis, envolvendo Capitu, Bentinho e Escobar. Na narrativa de Bentinho, há a contaminação do olhar pelo ciúme, pelas suspeitas, porque assim acontece ao ciumento. Conforme o trabalho desenvolvido por Donatella Marazziti, e que culminou no novo livro, o ciúme é fruto de delicados mecanismos evolutivos que evidenciaram seu papel como guardião do casal, papel este já presente na idéia de zelo, como já mencionado.
Neste livro, como em suas outras obras, Dra. Donatella diz a que veio, mostrando a ligação da biologia com nossa formação humana em todas as suas latitudes e longitudes, a partir da figura do ciúme, presente em nós desde os tempos do surgimento de nosso instinto de preservação, ou seja, desde o estágio mais primitivo de nossa evolução.
O livro é bom de ler , muito claro e, seguindo as demais obras da autora, de narrativa fluente e acessível, dando aquela vontade de continuar lendo para não perder uma linha dos conhecimentos que a autora revela.
Direcionado principalmente ao público geral, entremeia uma série de casos clínicos reais com exposições literárias interessantíssimas, que traduzem, de modo abrangente, o trabalho científico e o empenho da autora em dissecar o ciúme.
...e viveram ciumentos e felizes para sempre- uma abordagem do ciúme no cotidiano e de como lidar com ele de forma saudável, a psiquiatra e pesquisadora italiana, também autora do livro, best-seller na Itália, (A Natureza do Amor, Ed. Atheneu, 2007), segue a trilha da compreensão do repertório de emoções humanas sob a ótica neurobiológica, apresentando elementos de nossa biologia e de nossa cultura através dos tempos, portanto o caminho evolutivo percorrido pelo ciúme até chegar a sua conformação atual. São apontados tanto os exemplos em que a emoção desempenha um papel favorável na formação e manutenção do casal, quanto aqueles casos que culminam com ocorrências trágicas, com tantos exemplos na crônica policial.
Os capítulos são: 1) Introdução ao ciúme; 2) As características do ciúme; 3) O que é o ciúme; 4) Nas raízes do ciúme; 5) O lado sadio do ciúme: o ciúme normal; 6) O lado obscuro do ciúme: o ciúme patológico; 7) SOS ciúme; 8) Conclusão.
Enfim, “O que é este terrível monstro dos olhos verdes, que desde as mais antigas noites infesta os pesadelos de poetas e escritores, cônjuges e amantes?” instiga Donatella.
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