26 de maio de 2016

Literatura, culinária e memória: uma interface afetiva

Um dos temas de leitura e pesquisa mais queridos da nossa diretora e editora, Betina Mariante Cardoso, é o das relações entre culinária e literatura, que acabou se tornando uma das interfaces e linhas editoriais da Luminara. Literatura gastronômica, escrita de cozinha, cadernos de receita ou diários de viagem repletos de anotações sobre as cores e sabores do mundo: o que esses formatos têm em comum? Uma das respostas possíveis é, sem dúvida, o elo íntimo entre escrita, culinária e memória.
A escrita tem servido para preservar tradições culinárias milenares, pratos típicos de determinadas regiões do mundo, formas de preparo particulares a certos grupos sociais, mistura de ingredientes que só existem em alguns rincões do mundo. Por meio da palavra, os sabores se perpetuam. Isso também é verdadeiro para o nível familiar: são raras as famílias que não possuem o livro de receitas de uma avó ou bisavó, passado de geração a geração como um tesouro. Seja na preservação e disseminação de tradições e particularidades culturais, seja na transmissão de práticas familiares, o central na escrita culinária é a memória.

Não o registro da história, com seus fatos e dados objetivos, mas aquilo que há de sensível e afetivo em cada forma de preparo, em cada alimento, em cada festa gastronômica, em cada cena de almoço familiar. A proximidade entre cozinha e literatura passa, portanto, por essa necessidade de registrar o afeto, a sensibilidade. Este “mais além” contido em cada vivência, em cada sabor e cada cheiro. Como escreve Betina, em seu “Pequeno Alfarrábio de Acepipes e Doçuras”, publicado pela Luminara em 2012: “na leitura da escrita culinária, a partilha atinge o imaginário de cada um com substâncias poderosas: o prazer, a memória dos sabores, o despertar dos sentidos, os afetos ligados a gostos e texturas de toda nossa vida, e, por fim, a aproximação com nossos comensais (p. 94 - 95).”


Mais que um livro de receitas, o Alfarrábio nos transporta para um espaço familiar e afetivo. Estão registradas ali, memórias que fazem parte de sua vivência com a cozinha, de casa e de diversos lugares do mundo. Entre narrativas de caráter autobiográfico e prosa ensaística, se destaca a relação com as avós, Léia e Alda, de cujas mãos Betina herdou muito da sensibilidade com que se entrega à alquimia da culinária e da escrita. Uma das curiosidades familiares que mais chama atenção para o elo entre literatura e culinária, é a da Vô Alda, que ao terminara a anotação de cada receita escrevia “FIM”, como se estivesse mesmo, contando uma história.

Também estão reunidos no Alfarrábio alguns dos textos publicados por Betina no blog Serendipity in cucina, que segue no ar há quatro anos. Ali encontramos mais um pouco do amor da diretora da Luminara ao universo das letras e dos aromas, dedicação antiga, da qual também surgiu o projeto de Mestrado que nossa ela desenvolve atualmente no Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS.

Por uma dessas ocasiões de serendipity com que o universo costuma nos presentear, de 21 a 23 de setembro deste ano ocorrerá na Universidade de Santiago de Compostela um evento intitulado “Língua,literatura e gastronomia entre Itália e Península Ibérica”. Betina Mariante Cardoso teve sua proposta de comunicação aceita para este congresso, e falará sobre os elementos afetivos, culturais e memorialísticos ligados à culinária na obra “Lo que hemos comido” (do original em catalão “El que hem menjat”) de Josep Pla. Neste livro, o autor desenvolve uma série de recordações biográficas, associadas à cozinha típica mediterrânea da província de Girona, onde nasceu. Não só o corpo vive, cresce e se transforma a partir do que consumimos, também os afetos se realizam através dos cinco sentidos, constituem-se a partir daquilo que absorvemos do mundo ao nosso redor. Em palavras atribuídas a Pla: “a cozinha é a paisagem posta na panela” - apreciar uma receita também é usufruir do espírito de cada cultura, da memória de cada lugar.



Além de ser uma linha editorial da Luminara, uma paixão de Betina e um tema em destaque nas pesquisas literárias contemporâneas, a interface entre literatura e gastronomia é nossa sugestão de leitura da semana. Além do livro de Pla e do Pequeno Alfarrábio, deixamos como dicas ao leitor que quer se iniciar nessa deliciosa jornada as crônicas culinárias de Nina Horta.


Bom apetite!

13 de maio de 2016

Série Limiar - terceiro volume em fase de preparação


A Luminara Editorial possui uma linha de publicação destinada ao pensamento teórico e crítico sobre literatura brasileira contemporânea. Trata-se da Série Limiar que, sob a coordenação do professor Ricardo Barberena (PUCRS), busca colocar em pauta os embates identitários e sociopolíticos,  assim como as reconfigurações espaciais, sensíveis e semânticas do tempo presente em suas manifestações na literatura de nosso país. 

É tempo de repensar a velha noção de fronteira como um limite estático associado à concepção moderna de Estado-Nação e, portanto, de literatura nacional. É tempo de repensar as categorias tradicionais do cânone literário e abrir novas perspectivas epistemológicas, capazes de dar conta do jogo de fluidez-rigidez que determinam a mobilidade, a visibilidade e a circulação de sujeitos e obras no cenário contemporâneo. Nesse sentido, a pesquisa literária da Limiar quer e precisa pensar junto com outras áreas do conhecimento, como a sociologia, a antropologia, os estudos de gênero, a história, a teoria da arte, dando conta de que o debate crítico problematiza também as fronteiras do pensamento acadêmico-científico. 

O primeiro livro da série - “Das luzes às soleiras - perspectivas críticas na literatura brasileira contemporânea” -  foi lançado em 2015 e teve como organizadores o Prof. Ricardo Barberena e o Prof. Vinícius Carneiro. A obra é composta por quinze ensaios de renomados especialistas, nacionais e internacionais, os quais nos levam por diferentes reflexões sobre a passagem das luzes da modernidade às soleiras da contemporaneidade, tempo em que os limites estáticos são postos em cheque pela maleabilidade e indefinição das fronteiras e limiares. Nas palavras de João Gilberto Noll, que assina a orelha do livro, “É da força que pode advir nesse universo ficcional que surge a sua função política, não um regramento salvacionista, as microexplosões balsâmicas que afastam o leitor do conformismo, abrindo-lhe de surpresa um limiar”.



Em Março deste ano, lançamos  “Do Trauma à trama: o espaço urbano na literatura brasileira contemporânea”, organizado pelo Prof. Ricardo Barberena e pela Prof.ª Regina Dalcastagnè. Neste segundo livro da Limiar, o fio condutor dos artigos é o papel das cidades e seus subterritórios como cenários, objetos e reflexos das negociações identitárias entre os diversos grupos sociais que ali circulam. Como escreve o professor Barberena, “refletir sobre os traumas de hoje é pensar sobre os traumas do transitar”. Assim sendo, problematizar o espaço urbano na literatura contemporânea é questionar a própria noção de espaço – do local ao global, passando pelo nacional –  e, portanto de fronteiras, limites, possibilidades e cerceamentos da mobilidade e do trânsito. De que modo os recursos estéticos da forma literária dão vazão a esses fenômenos do contemporâneo? De que maneiras a literatura contemporânea se transforma pari passu com as transformações do mundo, num jogo de retroalimentação? Não há resposta para isso que não seja um devir: cada um dos artigos deste livro é como uma caminhada pelo espaço (urbano) da literatura brasileira contemporânea – e este, não custa lembrar, só vai se construindo à medida que caminhamos. 

O caminho da Limiar pretende extravasar fronteiras – entre culturas, países, literaturas, áreas do conhecimento. Por isso, fazemos questão de organizar lançamentos internacionais das obras. “Das luzes às soleiras” foi acolhido na  Embaixada do Brasil na França, em janeiro de 2015, e “Do trauma à trama” foi lançado em evento na Universidade de Santiago de Compostela, em janeiro de 2016. Além de integrar, nos estudos sobre a literatura brasileira contemporânea, autores e leitores nacionais e internacionais, a Limiar coloca em pauta a importância da interdisciplinariedade para o pensamento humanístico contemporâneo. 

Com essa perspectiva de diálogos e trânsitos em mente, já está em fase de organização o terceiro livro da série, que deverá dialogar com a área das humanidades médicas.

Em breve mais informações. 

5 de maio de 2016

Professora Maria Helena Itaqui Lopes fala sobre "Episódios da História da Medicina"



Na quinta-feira, 28 de abril, a professora Maria Helena Itaqui Lopes foi entrevistada no programa Estação Cultura, que vai ao ar de segunda a sexta na rádio FM Cultura 107.7, às 18h00. A professora conversou com a apresentadora do programa, Liz de Bortoli, sobre o livro "Episódios da História da Medicina", do qual é organizadora juntamente com professor Luiz Gustavo Guilhermano. O livro foi lançado no último sábado (30 de abril) na Livraria Cultura, e segue à venda na loja e no site da livraria. Confira a transcrição da entrevista, para saber um pouco mais sobre esta obra que reúne palestras, artigos e biografias que sublinham o valor social e humanístico da Medicina no Rio Grande do Sul.


Liz - Boa tarde, professora Maria Helena Itaqui Lopes.

Profª Maria Helena - Boa tarde, Liz, um prazer estar conversando contigo.

Liz - O prazer é nosso, professora. Este livro resgata, então, a História e as raízes da atividade médica no Rio Grande do Sul?

Profª Maria Helena - Exatamente, esse livro é uma compilação de vários capítulos que trazem, muito representativamente, pessoas, personagens, médicos renomados, instituições nossas, aos quais nós estamos dando o valor que merece essa cultura do Rio Grande do Sul, em termos de Medicina. Então, a apresentação deste livro inclui todos estes capítulos feitos por estudantes, pesquisadores, tanto de Medicina, como de História, que são novidade, do ponto de vista que trazem fatos históricos, mas em cima disso também um olhar crítico, que é muito importante. Eu acho que vale a pena a gente conhecer isso também.

Liz - E o que que você destacaria entre os textos? Quais as curiosidades?

Profª Maria Helena - Olha... Temos curiosidades diversas, porque sempre reescrever a História não é só contar o que foi feito, é trazer alguma coisa que seja inovadora e esse aspecto é que eu acho que motiva a leitura do livro em si. Tem coisas por exemplo, assim, histórias nossas da Santa Casa de Misericórdia, da Enfermaria 29, que foi um berço de grandes nomes da Medicina rio-grandense, tem do Instituto de Cardiologia, do Pavilhão Pereira-Filho, tem biografias de pessoas que muito contribuíram para a Medicina do Rio Grande do Sul, como o Doutor Mariano da Rocha... Então são várias histórias que são contadas e recontadas, trazendo aspectos que às vezes não eram nem publicados. Tem entrevistas com familiares dessas pessoas, descendentes destes que tanto fizeram pela Medicina rio-grandense. Isso é muito bonito de se ver.  E a gente quer muito perpetuar tudo isso, também para as novas gerações que não conhecem todos esses aspectos.

Liz - Claro, e como foi o trabalho de pesquisa, quais as fontes que vocês consultaram?

Profª Maria Helena - Isto é bem importante, porque todo os alunos que participaram concorreram a um prêmio, na realidade, que foi feito numa Jornada. Então nós temos aqui cerca de quarenta trabalhos que foram apresentados para um concurso. As fontes são aquelas buscadas em literatura antiga, em entrevistas, história oral. Tem coisas bastante interessantes. E eu acho que o ponto que eu devo destacar é que não é um livro propriamente de Medicina para médicos ou estudantes de Medicina, mas para o público em geral, porque são histórias contadas de uma maneira agradável, e de uma linguagem que é compreensível por pessoas que não são da área médica. Isso também é bom, porque não fica restrito a quem detém esse tipo de conhecimento

Liz - Por toda a Terminologia que às vezes é bem complexa, não é...

Profª Maria Helena - Que é difícil, claro, e às vezes pode ser uma leitura pra quem é iniciado no tema ou iniciado nos vários temas, mas não, não é o caso. É um livro que pode ser lido por pessoas em geral, que queiram conhecer esses aspectos. Eu acho que isso é bem importante de ressaltar.

Liz - Com certeza, muito, muito, bacana vocês trazerem isso, né, justamente para ampliar o público, ampliar os leitores.

Profª Maria Helena - Exatamente.

Liz - E o livro  "Episódios da História da Medicina" encerra uma trilogia?

Profª Maria Helena - É, ele já é o quarto. Na realidade foi além da trilogia (risos). Nos já tivemos outros livros, uma sequência de livros que também tem o mesmo teor, de formas variadas. Ali são contados outros momentos, outros registros de História da Medicina. E esse é o quarto sendo trazido com esse potencial.  Então enriquece, porque também um outro aspecto que eu queria te dizer é que se tem muito pouca literatura com esse foco de pesquisa. E esses livros estão servindo inclusive de materiais para teses, para material de consulta de outras instâncias de pesquisa médica, porque não se encontram com muita facilidade esses relatos, assim, de forma tão consistente. Então vale a pena ter um livro desses.

Liz - E onde é que se encontram esses livros?

Profª Maria Helena - A Livraria Cultura está fazendo o lançamento no próximo sábado (30 de abril) e vai ter também à venda. Logo a seguir estará disponibilizado para o público na loja. E nas bibliotecas também serão disponibilizados.

Liz - Tá certo então, professora, muito obrigada pela entrevista e que tenham um ótimo lançamento.


Profª Maria Helena -  Agradecemos muito, Liz. Obrigada!


Liz -  Obrigada, professora. Um bom fim de tarde para você.


* A entrevista também pode ser ouvida online, na Central de Áudios da FM Cultura