25 de agosto de 2016

O lúdico como plataforma para outros mundos possíveis

Podemos tornar nossa passagem pelo mundo uma experiência proveitosa.


Afirmar isso diante das notícias calamitosas sobre pobreza, desigualdades sociais, preconceitos, guerras pode soar como alienação. Mas não acreditamos na postura daqueles que justificam sua inércia diante da inapelabilidade dos fatos; nem na dos hedonistas, que se isolam em suas bolhas de prazer, ignorando as dores reais do mundo; tampouco na perspectiva dos que abdicam da alegria em nome da infelicidade que acreditam ser a regra da vida de todos. Em uma busca constante de equilíbrio, cada indivíduo pode trabalhar como um agente compensatório. Pois havendo tanta dor no mundo, não será nossa missão contribuir para o bem-estar desde o particular até o social?

Essa sempre foi parte das buscas humanas em seu esforço de compreensão da existência – equilibrar as pulsões de vida e morte, as angústias necessárias ao crescimento e o gozo de estar vivo para ver o sol nascer. Nas últimas décadas, essa busca ganhou feições específicas, que se apresentam como o renascimento da espiritualidade, com cada vez mais pessoas interessadas em budismo, taoismo, cabala, yoga, como ferramentas de autoconhecimento e busca de relacionamentos sociais mais construtivos. Além disso, vêm crescendo em importância as atividades econômicas ligadas ao lazer - como turismo, cursos livres, produções cinematográficas, musicais, teatrais – e multiplicam-se e os indivíduos dedicados a alguma atividade artística, de forma amadora ou profissional. O sociólogo Gilles Lipovetsky denomina esta fase da História de capitalismo artista, chamando atenção para a centralidade do prazer estético na vida contemporânea.

A análise de Lipovetsky nos interessa aqui por sua abordagem de amplo espectro. Por um lado, ele é cético ao demonstrar que a simples expansão das atividades lúdicas e artísticas não garante o aumento do bem-estar, uma vez que esteja ligadas à competitividade empresarial e ao consumo de massa. Isto é, não faz ninguém mais feliz absorver acriticamente as projeções estéticas de um mercado saturado, reproduzir modas de consumo, consumir sem refletir. Por outro lado, resta a esperança de que a fruição estética sensibilize os sujeitos, favoreça seu processo de individuação e, portanto, sua capacidade de lidar com a alteridade. Em outras palavras, é preferível, em termos de relacionamento social, um modo de produção que invista cada vez mais em turismo, cursos, espetáculos, museus e jogos, e não em indústrias de armamentos, espionagem e energia nuclear.

De qualquer maneira, não serve estar feliz o tempo todo – pois assim caímos no tipo de distopia descrito por Aldous Huxley em “Admirável Mundo Novo”. Acreditamos numa dose de alegria que não seja anestésica, mas energética, que garanta a vivacidade para trabalhar por projetos que vão além do hedonismo pessoal. Alegria esta que, na linguagem da neurociência, chama-se dopamina - neurotransmissor associado ao prazer e que tem efeitos comprovados na saúde física e mental. Em doses produzidas por cursos, viagens, leituras, visitas a museus e cinemas, é a dopamina que instiga nossa coragem de estar no mundo, ativa e criticamente. Para dizer de outra forma, precisamos nos dar prazer para transmitir prazer ao mundo.


É com isso em mente que estamos construindo, dentro da Luminara Editorial, os “Mundos Possíveis”, área da empresa dedicada à realização de cursos, palestras e grupos de pesquisa associados aos temas que nos são caros, como viagens, culinária e literatura. Contamos com o apoio de vocês para esta nova fase!





21 de julho de 2016

Escolas de Escrita: inspirações italianas

Seguindo a série de apresentação de algumas das escolas de escritores que nos inspiram, nesta semana vamos compartilhar com vocês um pouco sobre a Holden e a Omero, situadas na Itália. Assim como os espanhóis, sobre cujas escolas escrevemos no post anterior, os italianos possuem uma crescente disseminação do ensino e da pesquisa da prática literária, associada, sem dúvida, à força de sua tradição artística, permeada por academias, institutos e movimentos estéticos que há milênios são fonte de inspiração para todo o mundo ocidental. 


A Scuola Holden, que tem como um dos fundadores o escritor Alessandro Baricco, fica na cidade de Turim e além do foco no ensino da narrativa, também possui cursos de artes performativas. Foi criada em 1994 por um grupo de quatro amigos de trinta e poucos anos que sentia falta de um espaço de renovação para se pensar o destino da literatura e dos escritores no fim do século XX. Com essa vocação jovem, o nome da escola faz alusão ao personagem ícone de “O apanhador no campo de Centeio” (J.D. Salinger), Holden Caufield. Como brincam os fundadores, seu objetivo era criar uma instituição de ensino da qual Holden nunca seria expulso. Desde 2013, o centro ocupa  o espaço de uma antiga fábrica de bombas. O que era um lugar destinado à guerra, hoje acolhe centenas de pessoas que lutam pela sobrevivência da poesia – em amplo sentido. Para integrar a formação oficial de storytelling, que tem duração de dois anos, o aluno da Holden precisa passar por um processo seletivo, que consiste no preenchimento de um formulário, onde deve contar a sua história. O foco dessa formação são os jovens menores de 30 anos – para os que já ultrapassaram essa idade, a escola tem uma série de programas especiais e cursos livres, oferecidos em diversas cidades além de Turim.

A Scuola di Scrittura Omero foi a primeira do gênero a ser fundada na Itália, em 1988. Localizada em Roma, a Omero acolhe todos os interessados em escrever melhor,  e não apenas os que desejam ser escritores. O foco é o texto – seja ele para televisão, cinema, roteiro, ou mesmo para quem quer ser jornalista ou trabalhar como editor. Coerente com isso é o fato de que além dos cursos a Omero publica uma revista – a Mag O. - onde dá espaço para as produções de seus alunos e também realiza trabalho editorial. Uma das características mais apaixonantes dessa escola é justamente sua aposta na diversidade. Ela oferece módulos de ensino que vão desde a criação de histórias a partir do tarô, passando por cursos de escrita publicitária até uma colônia de férias para imersão na escrita! 

Esse trabalho de amplo espectro da Holden e da Omero dialogam com o desejo da Luminara em associar cada vez mais o trabalho editorial aos eixos de ensino e pesquisa. O projeto ainda está apenas em nossos corações e mentes - além de algumas anotações na agenda - mas deve entrar em vigor a partir de 2017. Grupos de pesquisa, cursos livres, saraus, produção coletiva de conhecimento – estes devem ser os elementos que comporão a maior parte de nosso trabalho futuro. Os livros como fundamento, mas os encontros e as trocas como núcleo dinâmico. Faz parte desse desejo reconhecer que o texto condensado no livro é apenas um excerto da vida, uma parte sintética daquilo que compartilhamos e levamos como repertório.  O sonho de fazer da Luminara Editoral um centro que agregue outras formas de produção de conhecimento é nossa maneira de reconhecer que: saber ler não basta, é preciso saber dialogar. 

1 de julho de 2016

Coincidências quixotescas


Certas coincidências ganham tanto relevo na trajetória de nossas vidas que reinauguram o sentido original da palavra coincidir: do latim coincidere - concordar, ocorrer junto. O ano de 2016 marca o quadricentenário da morte de Miguel de Cervantes Saavedra (1547 - 1616), autor de "El ingenioso hidalgo Don Quijote de la Mancha", ou simplesmente Don Quixote, patrono do romance ocidental, ícone do idioma e da literatura castelllana, aquele que dá nome ao órgão mais importante da política cultural exterior da Coroa Espanhola – Instituto Cervantes. Este também é o ano em que eu - que não sou nada, nunca serei nada, mas tenho em mim todos os sonhos do mundo - vou estudar na Universidade de Salamanca (USAL), onde, reza a lenda, teria estudado Cervantes e um certo moço que ficou louco ao ler demasiados romances de cavalaria.

O trajeto percorrido pelo cavaleiro da triste figura e seu escudeiro não inclui as terras de Salamanca, mas a tradição popular insiste em afirmar que as personagens passaram por ali (e seguem passando). A razão mais provável – conjecturo eu desde o outro lado do oceano – é que a Universidade que ali se encontra é a mais antiga da Europa. De tradição católica, medieval, cavalheiresca, a USAL representava originalmente o suprassumo educacional, a máxima instituição pedagógica, daquilo que Cervantes ironiza em sua obra-prima. Pois enquanto o Quixote era escrito, a Espanha ingressava na era moderna. Com dificuldades em administrar as colônias, corrupção interna, disputas de poder, conflitos religiosos e violência de Estado, o “Império em que o sol nunca se põe” era lugar de contradições e violência. O período em que o romance de cavaleria era o insigne literário da luta dos cristão contra os “infiéis”, a glorificação da violência que “salva o reino” estava em fase de transição. Cervantes criou, portanto, uma obra de ficção que capta a incerteza e a instabilidade que pairava sobre sua pátria. A tolice fantasiosa de seu protagonista é a face literária de uma sociedade e que já não tem tanta certeza de seus fins de conquista e riqueza e seus meios de opressão e violência.

Nesse sentido, Don Quixote não é considerado o primeiro romance da literatura espanhola (e por muitos também da literatura universal) apenas por sua estrutura estética, seus recursos narrativos. E sim por também reter o caldo cultural que naquele preciso momento histórico gerava os frutos da Idade Moderna, pelo menos esta que teria efeitos diretos sobre nós, americanos, latino-americanos. O positivo disso tudo é pensar que a pátria hispânica acolheu como símbolo uma obra que não glorifica a violência de Estado, o poder do Império, o afã conquistador. O negativo é pensar que esses elementos ainda sobreviveram e se multiplicaram no modo de colonização do nosso continente, por muito tempo além da morte de Cervantes.


Do século XVI ao XXI, a auto-ironia cervantina foi mal compreendida, depois aceita, a seguir desenvolvida em culpa e necessidade de retribuição. Hoje a Espanha é um dos países europeus que mais possui centros de estudos sobre a América Latina, que mais concede bolsas de estudos para alunos daqui, que possui uma das diplomacias culturais pioneiras e mais desenvolvidas. Interesse estratégico, necessidade de boas relações com seus colegas hispanohablantes do sul e mesmo uma nova forma de influência política: tudo isso está na origem do Instituto Cervantes e dos demais organismos de política cultural exterior da Espanha. 

Entretanto, gosto de pensar que ali existe, igualmente, autocrítica e o reconhecimento de que é possível desenvolver relações mais lúdicas, pacíficas, construtivas, entre sujeitos e povos – como reconhecia aquele autor que dá nome ao Instituto. Nesse sentido, a escolha dos Estudos Latino-americanos, que irei cursar Universidade de Salamanca com dinheiro da Coroa Espanhola, é uma maneira de ser quixotesca: não só cultivando sonhos e ilusões românticas (como a criatura Quixote), mas também a crítica e a auto-ironia (como o criador Cervantes).

9 de junho de 2016

Escolas de Escrita: ócio e ofício

Além das atividades propriamente editoriais, a Luminara nasceu com o intuito de trabalhar pela formação humanística de seus leitores, através de cursos e atividades lúdicas. Entre 2011 e 2012, diversas parcerias propiciaram a realização de cursos que dialogavam com os pilares de nossa Editora, os quais são formados pelas interfaces da Literatura com outras áreas, como a Medicina, a Culinária e as Viagens. Organizamos, por exemplo, a Oficina de Relatos (Escritos de Cozinha, de Viagens, de 'Flashes' do Cotidiano), ministrada por nossa editora e diretora, Betina Mariante Cardoso. Neste e nos demais cursos, o objetivo era conectar cada participante com a experiência criadora – seja ela de receitas, relatos ou simplesmente de sentidos sobre o próprio estar no mundo. O corpo, que se alimenta e transita, precisa da consciência alerta para captar a grandeza de significados de cada experiência.


A verdade é que sentimos saudades desse período, e temos conversado bastante sobre a possibilidade de retomar esse eixo da Luminara. Pois acreditamos que além da leitura, a prática criativa é engrandecedora para qualquer sujeito, e não apenas aqueles que ambicionam ter livros publicados. Não estamos sozinhos nessa percepção. Ao longo das últimas décadas, multiplicaram-se no mundo escolas de escrita, oficinas literárias, cursos acadêmicos de Escrita Criativa. O Brasil é exemplo disso, graças ao pioneirismo da PUCRS, que além da Pós-Graduação em Letras com ênfase em Escrita Criativa, abriu em 2016 a Graduação nesta área. Isso não significa que todos desejam agora ser escritores reconhecidos, mas que a necessidade de bem escrever se fortaleceu – contra todas as expectativas daqueles que nos alertam sobre a “ditadura da imagem”. O texto, esta forma antiquada de comunicação e expressão, parece guardar poderes que resistem ao apelo da sociedade do espetáculo... Mas não qualquer texto. E, sim, o texto literário, o texto sugestivo, o texto criativo. O texto que tem sujeito, afeto e imaginação.

Diante desse contexto, e enquanto a Luminara não desenvolve seus próximos cursos, decidimos compartilhar com vocês algumas escolas de escrita que nos inspiram. Duas delas ficam na Espanha: a Escuela de Escritores, localizada em Madrid; e a Escuela d'Escriptura, situada na capital catalã. Ambas contam com cursos EaD e materiais disponíveis online.

A Escola d'Escriptura faz parte de uma associação chamada Ateneu Barcelonès, que é referência local e nacional na Espanha no tocante à formação cultural dos cidadãos. Além da experimentação criativa e do aprendizado profissional das técnicas de escritura, o Ateneu acredita na atividade literária como ferramenta de autoconhecimento e desenvolvimento pessoal. A grade de cursos do Ateneu é apaixonante por sua diversidade, contando com os cursos mais tradicionais como os de narrativa curta e longa, cursos de poesia e estudos de autor, mas também outros especiais, como oficinas para a aprender a recitar Poemas e a fazer novelas radiofônicas. A Escola conta com mais de cem professores, os quais são escritores, críticos literários, editores ou catedráticos universitários. 


Já a Escuela de Escritores, como diz o próprio nome, está focada na profissionalização de autores, oferecendo cursos que também orientam os profissionais no enfrentamento das dificuldades do mercado editorial. Além das formações curtas, o centro já oferece Mestrado em Narrativa, e faz parte da Associação Europeia de Programas de Escrita Criativa (EACWP), o que garante aos seus alunos o diálogo com outros profissionais e estudantes da área, localizados em diferentes países. Um dos cursos que recomendamos para quem tiver a oportunidade de um dia conhecer a Escuela de Escritores, é “O Papel das Emoções” (El Papel de las Emociones), porque toca naquilo que procuramos estudar e disseminar aqui na Luminara: as relações íntimas entre corpo, sensações, emoções e escrita. 



Na próxima semana falaremos de algumas Escolas de Escrita que fazem sucesso na Itália. Fique ligado!


26 de maio de 2016

Literatura, culinária e memória: uma interface afetiva

Um dos temas de leitura e pesquisa mais queridos da nossa diretora e editora, Betina Mariante Cardoso, é o das relações entre culinária e literatura, que acabou se tornando uma das interfaces e linhas editoriais da Luminara. Literatura gastronômica, escrita de cozinha, cadernos de receita ou diários de viagem repletos de anotações sobre as cores e sabores do mundo: o que esses formatos têm em comum? Uma das respostas possíveis é, sem dúvida, o elo íntimo entre escrita, culinária e memória.
A escrita tem servido para preservar tradições culinárias milenares, pratos típicos de determinadas regiões do mundo, formas de preparo particulares a certos grupos sociais, mistura de ingredientes que só existem em alguns rincões do mundo. Por meio da palavra, os sabores se perpetuam. Isso também é verdadeiro para o nível familiar: são raras as famílias que não possuem o livro de receitas de uma avó ou bisavó, passado de geração a geração como um tesouro. Seja na preservação e disseminação de tradições e particularidades culturais, seja na transmissão de práticas familiares, o central na escrita culinária é a memória.

Não o registro da história, com seus fatos e dados objetivos, mas aquilo que há de sensível e afetivo em cada forma de preparo, em cada alimento, em cada festa gastronômica, em cada cena de almoço familiar. A proximidade entre cozinha e literatura passa, portanto, por essa necessidade de registrar o afeto, a sensibilidade. Este “mais além” contido em cada vivência, em cada sabor e cada cheiro. Como escreve Betina, em seu “Pequeno Alfarrábio de Acepipes e Doçuras”, publicado pela Luminara em 2012: “na leitura da escrita culinária, a partilha atinge o imaginário de cada um com substâncias poderosas: o prazer, a memória dos sabores, o despertar dos sentidos, os afetos ligados a gostos e texturas de toda nossa vida, e, por fim, a aproximação com nossos comensais (p. 94 - 95).”


Mais que um livro de receitas, o Alfarrábio nos transporta para um espaço familiar e afetivo. Estão registradas ali, memórias que fazem parte de sua vivência com a cozinha, de casa e de diversos lugares do mundo. Entre narrativas de caráter autobiográfico e prosa ensaística, se destaca a relação com as avós, Léia e Alda, de cujas mãos Betina herdou muito da sensibilidade com que se entrega à alquimia da culinária e da escrita. Uma das curiosidades familiares que mais chama atenção para o elo entre literatura e culinária, é a da Vô Alda, que ao terminara a anotação de cada receita escrevia “FIM”, como se estivesse mesmo, contando uma história.

Também estão reunidos no Alfarrábio alguns dos textos publicados por Betina no blog Serendipity in cucina, que segue no ar há quatro anos. Ali encontramos mais um pouco do amor da diretora da Luminara ao universo das letras e dos aromas, dedicação antiga, da qual também surgiu o projeto de Mestrado que nossa ela desenvolve atualmente no Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS.

Por uma dessas ocasiões de serendipity com que o universo costuma nos presentear, de 21 a 23 de setembro deste ano ocorrerá na Universidade de Santiago de Compostela um evento intitulado “Língua,literatura e gastronomia entre Itália e Península Ibérica”. Betina Mariante Cardoso teve sua proposta de comunicação aceita para este congresso, e falará sobre os elementos afetivos, culturais e memorialísticos ligados à culinária na obra “Lo que hemos comido” (do original em catalão “El que hem menjat”) de Josep Pla. Neste livro, o autor desenvolve uma série de recordações biográficas, associadas à cozinha típica mediterrânea da província de Girona, onde nasceu. Não só o corpo vive, cresce e se transforma a partir do que consumimos, também os afetos se realizam através dos cinco sentidos, constituem-se a partir daquilo que absorvemos do mundo ao nosso redor. Em palavras atribuídas a Pla: “a cozinha é a paisagem posta na panela” - apreciar uma receita também é usufruir do espírito de cada cultura, da memória de cada lugar.



Além de ser uma linha editorial da Luminara, uma paixão de Betina e um tema em destaque nas pesquisas literárias contemporâneas, a interface entre literatura e gastronomia é nossa sugestão de leitura da semana. Além do livro de Pla e do Pequeno Alfarrábio, deixamos como dicas ao leitor que quer se iniciar nessa deliciosa jornada as crônicas culinárias de Nina Horta.


Bom apetite!

13 de maio de 2016

Série Limiar - terceiro volume em fase de preparação


A Luminara Editorial possui uma linha de publicação destinada ao pensamento teórico e crítico sobre literatura brasileira contemporânea. Trata-se da Série Limiar que, sob a coordenação do professor Ricardo Barberena (PUCRS), busca colocar em pauta os embates identitários e sociopolíticos,  assim como as reconfigurações espaciais, sensíveis e semânticas do tempo presente em suas manifestações na literatura de nosso país. 

É tempo de repensar a velha noção de fronteira como um limite estático associado à concepção moderna de Estado-Nação e, portanto, de literatura nacional. É tempo de repensar as categorias tradicionais do cânone literário e abrir novas perspectivas epistemológicas, capazes de dar conta do jogo de fluidez-rigidez que determinam a mobilidade, a visibilidade e a circulação de sujeitos e obras no cenário contemporâneo. Nesse sentido, a pesquisa literária da Limiar quer e precisa pensar junto com outras áreas do conhecimento, como a sociologia, a antropologia, os estudos de gênero, a história, a teoria da arte, dando conta de que o debate crítico problematiza também as fronteiras do pensamento acadêmico-científico. 

O primeiro livro da série - “Das luzes às soleiras - perspectivas críticas na literatura brasileira contemporânea” -  foi lançado em 2015 e teve como organizadores o Prof. Ricardo Barberena e o Prof. Vinícius Carneiro. A obra é composta por quinze ensaios de renomados especialistas, nacionais e internacionais, os quais nos levam por diferentes reflexões sobre a passagem das luzes da modernidade às soleiras da contemporaneidade, tempo em que os limites estáticos são postos em cheque pela maleabilidade e indefinição das fronteiras e limiares. Nas palavras de João Gilberto Noll, que assina a orelha do livro, “É da força que pode advir nesse universo ficcional que surge a sua função política, não um regramento salvacionista, as microexplosões balsâmicas que afastam o leitor do conformismo, abrindo-lhe de surpresa um limiar”.



Em Março deste ano, lançamos  “Do Trauma à trama: o espaço urbano na literatura brasileira contemporânea”, organizado pelo Prof. Ricardo Barberena e pela Prof.ª Regina Dalcastagnè. Neste segundo livro da Limiar, o fio condutor dos artigos é o papel das cidades e seus subterritórios como cenários, objetos e reflexos das negociações identitárias entre os diversos grupos sociais que ali circulam. Como escreve o professor Barberena, “refletir sobre os traumas de hoje é pensar sobre os traumas do transitar”. Assim sendo, problematizar o espaço urbano na literatura contemporânea é questionar a própria noção de espaço – do local ao global, passando pelo nacional –  e, portanto de fronteiras, limites, possibilidades e cerceamentos da mobilidade e do trânsito. De que modo os recursos estéticos da forma literária dão vazão a esses fenômenos do contemporâneo? De que maneiras a literatura contemporânea se transforma pari passu com as transformações do mundo, num jogo de retroalimentação? Não há resposta para isso que não seja um devir: cada um dos artigos deste livro é como uma caminhada pelo espaço (urbano) da literatura brasileira contemporânea – e este, não custa lembrar, só vai se construindo à medida que caminhamos. 

O caminho da Limiar pretende extravasar fronteiras – entre culturas, países, literaturas, áreas do conhecimento. Por isso, fazemos questão de organizar lançamentos internacionais das obras. “Das luzes às soleiras” foi acolhido na  Embaixada do Brasil na França, em janeiro de 2015, e “Do trauma à trama” foi lançado em evento na Universidade de Santiago de Compostela, em janeiro de 2016. Além de integrar, nos estudos sobre a literatura brasileira contemporânea, autores e leitores nacionais e internacionais, a Limiar coloca em pauta a importância da interdisciplinariedade para o pensamento humanístico contemporâneo. 

Com essa perspectiva de diálogos e trânsitos em mente, já está em fase de organização o terceiro livro da série, que deverá dialogar com a área das humanidades médicas.

Em breve mais informações. 

5 de maio de 2016

Professora Maria Helena Itaqui Lopes fala sobre "Episódios da História da Medicina"



Na quinta-feira, 28 de abril, a professora Maria Helena Itaqui Lopes foi entrevistada no programa Estação Cultura, que vai ao ar de segunda a sexta na rádio FM Cultura 107.7, às 18h00. A professora conversou com a apresentadora do programa, Liz de Bortoli, sobre o livro "Episódios da História da Medicina", do qual é organizadora juntamente com professor Luiz Gustavo Guilhermano. O livro foi lançado no último sábado (30 de abril) na Livraria Cultura, e segue à venda na loja e no site da livraria. Confira a transcrição da entrevista, para saber um pouco mais sobre esta obra que reúne palestras, artigos e biografias que sublinham o valor social e humanístico da Medicina no Rio Grande do Sul.


Liz - Boa tarde, professora Maria Helena Itaqui Lopes.

Profª Maria Helena - Boa tarde, Liz, um prazer estar conversando contigo.

Liz - O prazer é nosso, professora. Este livro resgata, então, a História e as raízes da atividade médica no Rio Grande do Sul?

Profª Maria Helena - Exatamente, esse livro é uma compilação de vários capítulos que trazem, muito representativamente, pessoas, personagens, médicos renomados, instituições nossas, aos quais nós estamos dando o valor que merece essa cultura do Rio Grande do Sul, em termos de Medicina. Então, a apresentação deste livro inclui todos estes capítulos feitos por estudantes, pesquisadores, tanto de Medicina, como de História, que são novidade, do ponto de vista que trazem fatos históricos, mas em cima disso também um olhar crítico, que é muito importante. Eu acho que vale a pena a gente conhecer isso também.

Liz - E o que que você destacaria entre os textos? Quais as curiosidades?

Profª Maria Helena - Olha... Temos curiosidades diversas, porque sempre reescrever a História não é só contar o que foi feito, é trazer alguma coisa que seja inovadora e esse aspecto é que eu acho que motiva a leitura do livro em si. Tem coisas por exemplo, assim, histórias nossas da Santa Casa de Misericórdia, da Enfermaria 29, que foi um berço de grandes nomes da Medicina rio-grandense, tem do Instituto de Cardiologia, do Pavilhão Pereira-Filho, tem biografias de pessoas que muito contribuíram para a Medicina do Rio Grande do Sul, como o Doutor Mariano da Rocha... Então são várias histórias que são contadas e recontadas, trazendo aspectos que às vezes não eram nem publicados. Tem entrevistas com familiares dessas pessoas, descendentes destes que tanto fizeram pela Medicina rio-grandense. Isso é muito bonito de se ver.  E a gente quer muito perpetuar tudo isso, também para as novas gerações que não conhecem todos esses aspectos.

Liz - Claro, e como foi o trabalho de pesquisa, quais as fontes que vocês consultaram?

Profª Maria Helena - Isto é bem importante, porque todo os alunos que participaram concorreram a um prêmio, na realidade, que foi feito numa Jornada. Então nós temos aqui cerca de quarenta trabalhos que foram apresentados para um concurso. As fontes são aquelas buscadas em literatura antiga, em entrevistas, história oral. Tem coisas bastante interessantes. E eu acho que o ponto que eu devo destacar é que não é um livro propriamente de Medicina para médicos ou estudantes de Medicina, mas para o público em geral, porque são histórias contadas de uma maneira agradável, e de uma linguagem que é compreensível por pessoas que não são da área médica. Isso também é bom, porque não fica restrito a quem detém esse tipo de conhecimento

Liz - Por toda a Terminologia que às vezes é bem complexa, não é...

Profª Maria Helena - Que é difícil, claro, e às vezes pode ser uma leitura pra quem é iniciado no tema ou iniciado nos vários temas, mas não, não é o caso. É um livro que pode ser lido por pessoas em geral, que queiram conhecer esses aspectos. Eu acho que isso é bem importante de ressaltar.

Liz - Com certeza, muito, muito, bacana vocês trazerem isso, né, justamente para ampliar o público, ampliar os leitores.

Profª Maria Helena - Exatamente.

Liz - E o livro  "Episódios da História da Medicina" encerra uma trilogia?

Profª Maria Helena - É, ele já é o quarto. Na realidade foi além da trilogia (risos). Nos já tivemos outros livros, uma sequência de livros que também tem o mesmo teor, de formas variadas. Ali são contados outros momentos, outros registros de História da Medicina. E esse é o quarto sendo trazido com esse potencial.  Então enriquece, porque também um outro aspecto que eu queria te dizer é que se tem muito pouca literatura com esse foco de pesquisa. E esses livros estão servindo inclusive de materiais para teses, para material de consulta de outras instâncias de pesquisa médica, porque não se encontram com muita facilidade esses relatos, assim, de forma tão consistente. Então vale a pena ter um livro desses.

Liz - E onde é que se encontram esses livros?

Profª Maria Helena - A Livraria Cultura está fazendo o lançamento no próximo sábado (30 de abril) e vai ter também à venda. Logo a seguir estará disponibilizado para o público na loja. E nas bibliotecas também serão disponibilizados.

Liz - Tá certo então, professora, muito obrigada pela entrevista e que tenham um ótimo lançamento.


Profª Maria Helena -  Agradecemos muito, Liz. Obrigada!


Liz -  Obrigada, professora. Um bom fim de tarde para você.


* A entrevista também pode ser ouvida online, na Central de Áudios da FM Cultura

8 de abril de 2016

Para exercitar a escuta: “Memórias de um corpo eviscerado”


As Humanidades Médicas - que compõem uma das principais linhas editoriais da Luminara -  são o campo de contato entre o aspecto científico-biológico da Medicina e sua dimensão humanística.  Se o aprendizado técnico e científico está voltado para o diagnóstico e o tratamento de enfermidades; as artes, a sociologia, a história, a filosofia servem para que o profissional da saúde possa escutar melhor o indivíduo que padece. Como diz o Prof. Ricardo Tapajós: nas frases que descrevem os sintomas, o médico precisa ler além da doença, o doente. Pois a forma como cada um lida com os limites do próprio corpo, as dores, o sofrimento, o medo da morte, o desamparo - tudo o que diz respeito à condição de paciente  -  importa para o tratamento. 

“Memórias de um corpo eviscerado”, de Elizabeth Brose, publicado pela Luminara Editorial em 2011, é um livro de ficção, em prosa poética, que apresenta fragmentariamente as percepções de uma mulher que sofreu de câncer no colo do útero. Durante a leitura, é difícil não sentir calafrios no ventre cada vez que a narradora repete “meu útero foi aberto com uma lâmina afiada e pontuda”. Percebam: a forma de dizer define o sentido de sua dor. Para ela, a cirurgia  não é um simples procedimento técnico, é uma amputação – do seu corpo e da possibilidade de ter filhos. Dói em nós porque a linguagem é dolorida, contundente. É um livro de construção poética muito rica, nas imagens ora cruas, ora delicadas, e na maneira fragmentária de narrar, como se aquela que nos conta estivesse totalmente dilacerada, buscando recompor seus pedaços, tentando reunir eu e mim num corpo que já não pode gerar um outro.

Este não é, portanto, um livro sobre o câncer, mas sobre o significado do câncer para uma mulher específica, em sua maneira singular de compreender a si mesma antes, durante e depois de padecer desta grave doença. É nesse sentido que, além de ser uma obra literariamente valiosa, o livro de Brose também interessa às Humanidades Médicas. Pode servir - como salienta o prof. Ricardo Tapajós em resenha que compõe os anexos do livro – para a sensibilização dos profissionais médicos à singularidade de cada paciente. Isto é, as doenças se repetem, também os diagnósticos, mas não a experiência de cada sujeito. 

“Memórias de um corpo eviscerado” pode ser encontrado na Livraria Cultura, na Livraria Bamboletras e na Palavraria. 

Boa leitura! 

5 de abril de 2016

Humanidades Médicas: teoria e prática

Uma das principais linhas editoriais da Luminara é a de Humanidades Médicas. Na origem dessa área está a percepção de que o bom exercício da Medicina não depende apenas do conhecimento biológico do homem, mas também da sensibilidade do profissional médico à condição humana. Nas últimas décadas, observam-se, no Brasil e no restante do mundo, debates que preconizam a reinserção de disciplinas humanísticas no currículo das Ciências Médicas, tendo em vista o reconhecimento da importância da relação médico-paciente em seus aspectos sociais e culturais, para além do mero diagnóstico e prescrição de tratamentos. Para o aluno e o profissional da área da saúde, trata-se de adquirir habilidades sensíveis, importantes para a prática da escuta e do acolhimento do paciente. Nas palavras de nossa editora e diretora, Betina Mariante Cardoso: “o objetivo das Humanidades Médicas é sistematizar o desenvolvimento de competências culturais e sociais em Medicina, com o propósito de contribuir tanto para o crescimento individual do médico e do paciente, quanto para a relação entre eles; a qual, por sua vez, tem um importante efeito na função social da Medicina”. 

O interesse em publicar textos em Humanidades Médicas foi um dos motivadores da Luminara Editorial, pois é a área de pesquisa pessoal e acadêmica de Betina Mariante Cardoso desde 2003, com interesse especial pelas investigações desenvolvidas no Programa de Medicina Narrativa da Universidade de Columbia (NY). Betina também é membro da Associação Mundial de Psiquiatria (WPA), compondo o setor de Literatura e Psiquiatria desde 2009. Em sua trajetória de pesquisa, destacamos a participação no Congresso Mundial de Psiquiatria em 2011, quando apresentou a palestra “Borges e o Estetoscópio”, em que propõe um modelo de aula em Psiquiatria a partir de trechos de conto do autor argentino. 

Em 2016, Betina assumiu a coordenação da Comissão de Cultura da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul (APRS) - também composta por Léa Masina e Clotilde Favalli – a convite da nova gestão da APRS, presidida pelo Dr. Flavio Shansis. No último sábado, 2 de abril, a Comissão apresentou as propostas que deverão ser desenvolvidas durante os próximos três anos, na interface entre Cultura e Psiquiatria, com ênfase nas Humanidades Médicas e na Medicina Narrativa. Os seus objetivos primordiais são estudar, divulgar e preconizar os benefícios que podem ser obtidos por médicos, pacientes, alunos de Medicina e Residentes de Psiquiatria graças a essa interface. 

Para a Luminara Editorial, essa notícia é muito mais que um acréscimo de responsabilidades de nossa diretora: é uma oportunidade de acentuar, por intermédio dela, as relações entre a pesquisa, a teoria e a prática das Humanidades Médicas. Agora soma-se às práticas editorial e médica, o trabalho de formulação e implementação de projetos em uma Comissão preocupada diretamente com o papel das humanidades na Medicina Psiquiátrica.

Que seja um lindo triênio!


1 de abril de 2016

Vamos com calma: desaceleração e slow publishing

Desde a época em que nossos antepassados andavam a cavalo e mandavam cartas, ou simplesmente plantavam e comiam os próprios alimentos em comunidades isoladas além de estradas e telégrafos, não foi só o tempo que passou, nós também passamos a perceber o tempo de outra forma. Forma esta agravada em suas dimensões de simultaneidade e velocidade. Segundo especialistas, produzimos mais informação na última década do que nos 5 mil anos anteriores. Não à toa, o mal-do-século XXI é a ansiedade. Como atender a todas as demandas e ofertas de contato, informação, engajamento, conhecimento, consumo que a internet nos oferece? Como escolher de maneira qualificada o que nos serve dentre o universo de dados e possibilidades que a rede constantemente apresenta e modifica? Como se manter a par do que acontece no mundo sem perder o tempo precioso que é preciso para conhecer o nosso mundo interior? 

Começando por problematizar a falsa sinonímia existente entre velocidade e eficiência - ideia propagada pela ideologia do consumo de massas e da produtividade capitalista. De fato, a velocidade é um valor se precisamos atender demandas expressas e massivas, como por exemplo, a de alimentação. Ou quando o objetivo é a simples acumulação de capital. No entanto, se a vida humana ainda tem objetivos maiores que este - amizade, amor, conhecimento, bem-estar - a velocidade perde sua supremacia. Além do veloz, precisamos também do lento, do vagaroso, do tranquilo, e, sem dúvida,  do tempo que congela num instante singular. 


Nesse sentido, a literatura é um lugar de resistência. O tempo de ler um romance ou de mergulhar num poema não é o mesmo com que acompanhamos as postagens do Facebook. E dizer que "o tempo não é o mesmo" vai além de sua dimensão cronológica. Muda aqui a qualidade do tempo. Como? Milan Kundera, com sua maestria em misturar reflexão filosófica e literatura, escreve em sua obra A Lentidão, que “Há um vínculo secreto entre a lentidão e a memória, entre a velocidade e o esquecimento. (…) o grau de lentidão é diretamente proporcional a intensidade da memória; o grau de velocidade é diretamente proporcional à intensidade do esquecimento." Em outras palavras, o que nos constitui - seres de história e de memória - não é a soma veloz dos acontecimentos e informações, mas a lentidão impregnante daquilo a que dedicamos tempo. Não só a literatura, mas tudo aquilo que nos exige entrega e, portanto, conexão, acessa essa qualidade lenta do tempo - como um rio de planície que vai aprofundando gradativamente o seu leito, até criar majestosos cânions. Desacelerar, portanto. Desacelerar para absorver. Desacelerar para produzir outro tipo de eficiência - não a da produtividade numérica, mas a da profundidade sensível. 

 Por produzir livros, uma Editora já é, dentre os tipos de empresa existentes, uma das menos velozes. Apesar disso, não está alheia às pressões do mercado e do nosso modo de vida urbano - impessoal, acelerado, desatento ao meio ambiente. Consciente disso, a Luminara Editorial nasceu como uma proposta de slow publishing, um neologismo que dialoga com o movimento da slow food, em contraposição ao fenômeno de consumo dos fast-food. A slow publishing tem três eixos fundamentais: Go Local, Go Green e Go Personal. Isto é, a valorização do local, a ideia de sustentabilidade e a preferência por parceiros de trabalho de pequena escala, membros da comunidade local. Mantemos esses pilares como foco de nossa atuação. Procuramos estabelecer parcerias com livrarias pequenas da cidade, manter relações diretas com nossos fornecedores e parceiros, fazer pequenas tiragens projetando o público interessado, evitamos produzir convites e propaganda em papel. Também procuramos trabalhar com prazos flexíveis e com respeito à capacidade humana de criar – obras e relações – com densidade, e não com pressa. Esses objetivos são tensionados pela velocidade com que o mundo segue funcionando e com nossa vocação para coelhos da Alice. Não obstante, nos esforçamos diariamente para andar mais devagar, prestando atenção no caminho e na qualidade de cada passo.

21 de março de 2016

Lançamento do livro "Do trauma à trama: o espaço urbano na literatura brasileira contemporânea"

Queridos leitores.

Ontem (20/03) foi o lançamento do segundo livro da série Limiar, "Do trauma à trama: o espaço urbano na literatura brasileira contemporânea", volume organizado pelos professores Ricardo Barberena e Regina Dalcastagnè.

O evento ocorreu na Livraria Bamboletras, a partir das 18h00 e a sessão de autógrafos seguiu no bar Mr. Pickwick.

Confira as fotos!










Os livros estão à venda na Livraria Bamboletras, no valor de R$ 39,50.


Boa leitura e aguardamos vocês nos próximos lançamentos!



Fotos: Giulia Barão
Assessoria de Imprensa: Agência Cigana

4 de março de 2016

Leveza, consistência e a micropolítica do cotidiano





Desde que entrei na Luminara Editorial, tenho pensado sobre o privilégio que é poder trabalhar em um lugar com cujos princípios diretores eu tenho bastante afinidade e na área que me apaixona. Isso só é possível graças a condições financeiras prévias, uma educação de qualidade, um percurso familiar e social que me deu liberdade para ir descobrindo quem sou e no que acredito, enfim, uma série de condições que me permitem dizer não à proposta de trabalho de uma multinacional e preferir trabalhar em uma pequena editora.

O pequeno, o próximo, o íntimo. E também o leve, o simples, o cuidadoso. Estas são ideias que orientam a Luminara e sobre as quais tenho conversado com a editora e diretora, Betina, nas nossas reuniões de trabalho. Em uma dessas conversas, descobrimos o carinho em comum pelo escritor italiano Ítalo Calvino, que, não por acaso, inicia suas Seis Propostas para o Próximo Milênio (Cia. da Lestras, 2012) falando sobre a Leveza.

O livro é um conjunto de cinco conferências ministradas por Calvino na Universidade de Harvard, em 1985, como convidado anual das Charles Eliot Norton Poetry Lectures. Cinco porque ele faleceu antes de escrever a última, que se destinaria à Consistência. Saliento esta ausência porque a considero significativa para uma leitura de nossa época. É como se Calvino tivesse sido impedido de dizer com todas as letras aquilo de que carecemos para reconhecer a diferença entre leveza e leviandade. É como se ele tivesse deixado que a palavra solitária – sem definições - nos provocasse a pensar sobre o que está nos faltando.

Não há leveza sem peso, diz Calvino, ecoando séculos de metáforas sobre as dicotomias necessárias entre a terra e o ar, o terreno e o espiritual, o material e o abstrato, o desânimo e a alegria. E se esses pares já estão tão desgastados em nossas mentes, por que ainda ganham relevância na virada do século XX para o XXI? Porque há milênios temos dificuldade de nos livrar do peso da vida – das relações pessoais e politicas, das pressões e desigualdades sociais, das angústias existenciais – sem cair na leviandade ou na tragédia. Dói admitir, mas vencer o peso não é ignorá-lo, isolando-se em uma posição defensiva ou alienada; nem abandonar-se a ele, com uma atitude niilista.


Vencer o peso é assumi-lo e transformá-lo, por meio de um trabalho constante que o faça perder em excesso e insustentabilidade o que ganha em consistência. Mais uma vez, estamos falando de privilégios e, por isso mesmo, de responsabilidades: isto de poder e dever usar a reflexão, o conhecimento, a capacidade criativa, a abertura para os encontros, de maneira engajada, buscando construir relações pessoais, sociais, de trabalho, que sejam leves e consistentes. É claro que ninguém sabe como fazer isso a priori, mas a história – social e pessoal – tem me feito acreditar cada vez mais nos efeitos do pequeno, do próximo, do íntimo - na micropolítica do cotidiano.

Giulia Barão

1 de março de 2016

“Do trauma à trama: o espaço urbano na literatura brasileira contemporânea”


Sociólogos e historiadores consideram o século XXI como aquele em que as cidades retomaram para si uma relevância política que se assemelha à que tinham antes da formação do Estado moderno. A chamada emergência da cidade está associada ao fenômeno da glocalização – o fato de que o poder do Estado-Nação, juntamente com suas noções de fronteira, território e cultura nacional, está sendo posto duplamente em cheque. Nas grandes questões políticas contemporâneas como direitos das minorias, migrações, superação da pobreza, diversidade cultural e desenvolvimento sustentável, há uma colaboração entre o local e o internacional na revisão e transformação das noções tradicionais da política associadas à soberania estatal. Esta é uma das perspectivas pela qual podemos entender o contexto contemporâneo e, portanto, esse espaço-tempo em que se desenvolve a literatura brasileira das últimas décadas.

Se perdemos em prazer estético ao reduzir um texto literário a uma interpretação sociológica; também reduzimos nossa percepção e capacidade crítica ao desconsiderar o panorama sociocultural em que uma obra está inserida. Ainda mais quando estamos tratando do nosso tempo. “Do trauma à trama: o espaço urbano na literatura brasileira contemporânea” – segundo livro da série Limiar, com realização da Luminara Editorial e organização do Prof. Dr. Ricardo Barberena (PUCRS) e da Prof. Dra. Regina Dalcastagnè (UnB) – reúne artigos que têm como grande trunfo dar conta do nosso tempo, com um olhar engajado neste duplo valor da literatura. Neles, a riqueza das análises sobre as particularidades da forma literária convive com o interesse crítico pela realidade sociocultural em diálogo com as obras.

A seleção dos artigos feita por Barberena e Dalcastagnè possui uma coesão que, não obstante as particularidades de cada autor, é dada pela conversa entre o literário e o social, em sua problematização do espaço urbano. Além dos artigos assinados pelos organizadores, o livro é composto por dez textos de pesquisadores nacionais e internacionais, são eles: Luciene Azevedo (UFBA), Sophia Beal (Universidade de Minnesota), Milton Colonetti (PUCRS), Luciana Paiva Coronel (FURG), Ângela Maria Dias (UFF), Alexandre Faria (UFJF), Friedrich Frosch (Universidade de Viena), Jeremy Lehnen (Universidade do Novo México), Lucía Tennina (Universidade de Buenos Aires), Lúcia Osana Zolin (UEM). O corpus das análises é a literatura brasileira contemporânea, mas o seu escopo tem a natureza glocal do século XXI, dando mostras de que as cidades são mais que cenário de narrativas, canções, poemas e vidas – são entidades políticas, sociais e culturais em constante redesenho, devido ao trânsito e ao discurso dos sujeitos.

Os assuntos são diversos: literatura marginal, autobiografia e migração, crise da masculinidade, autoria feminina, escrita do cárcere, representatividade das vozes de mulheres na periferia, o espaço urbano de Brasília, o deslocamento como estratégia narrativa e reflexo da instabilidade do sujeito, os atores políticos em jogo na definição do sistema literário. A essa diversidade temática corresponde, porém, uma mesma preocupação estética e crítica com a potência do texto literário para a representação e a constituição das geografias sociais.

Como escreve o professor Barberena, “refletir sobre os traumas de hoje é pensar sobre os traumas do transitar”. Assim sendo, problematizar o espaço urbano na literatura contemporânea é questionar a própria noção de espaço – do local ao global, passando pelo nacional – e, portanto de fronteiras, limites, possibilidades e cerceamentos da mobilidade e do trânsito. De que modo os recursos estéticos da forma literária dão vazão a esses fenômenos do contemporâneo? De que maneiras a literatura contemporânea se transforma pari passu com as transformações do mundo, num jogo de retroalimentação? Não há resposta para isso que não seja um devir: cada um dos artigos deste livro é como uma caminhada pelo espaço (urbano) da literatura brasileira contemporânea – e este, não custa lembrar, só vai se construindo à medida que caminhamos.

Resenha por Giulia Barão

25 de fevereiro de 2016

O eco de Umberto em nosso amor pelo livro





No início de 2015, cursei duas disciplinas na Universidade de Granada (Espanha) que discutiam os rumos da literatura na contemporaneidade. Numa delas, veio à tona a discussão sobre a tão anunciada morte do livro e da literatura como os concebemos tradicionalmente. Recordo que a professora nos provocava perguntando para que servem os livros num mundo cada vez mais preguiçoso para textos que superem os 140 caracteres e onde uma imagem parece realmente valer mais que mil palavras. A turma estava dividida: havia os entusiastas do e-book, comemorando a economia de papel tanto pelo fator ecológico, quanto pela possibilidade de se locomover levando consigo a biblioteca num aparelho de 20 centímetros. Mas havia também os bibliófilos, grupo em que me incluo, cujos argumentos se baseavam fundamentalmente na materialidade do livro, na simplicidade desse objeto que podemos tocar, cheirar, sublinhar, emprestar, dar de presente, expor em cabeceiras, mesas de centro, estantes multicoloridas. 


Lembrei dessa discussão, porque a morte de Umberto Eco (Alexandria, Itália, 1932), na última sexta-feira, dia 19 de fevereiro, deixa o time dos bibliófilos desfalcado. Milhares de pessoas expressaram – por escrito – seu lamento pela morte do escritor, filósofo, linguista, erudito, apaixonado pelos fenômenos e obras da nossa estranha forma de vida. Diversas de suas ideias circularam nas redes, dentre elas sua confiança na permanência do livro como entidade cultural insubstituível. De certa maneira, essas manifestações serviram como indício de que internet e livros, e-books e livros, blogs e livros não são elementos concorrentes, mas complementares. Num mundo onde pululam fontes de informação e conhecimento, o livro persiste como o refúgio silencioso, como o recurso material que preserva nosso poder imaginativo frente às forças virtualizantes da vida contemporânea. 

Em “Não Contem Com o Fim do Livro” , lançado pela Record em 2004, encontramos diversos argumentos de Umberto Eco, juntamente com Jean-Claude Carrière, sobre a sobrevivência das publicações em papel, entre os quais a ideia de que “O livro é como a colher, o martelo, a roda ou a tesoura. Uma vez inventados, não podem ser aprimorados.” Nessa singela comparação está contida uma verdade  histórica – o livro é o que é por sua utilidade, por sua adequação material às funções que deve exercer, pelo conforto que sua forma garante a nossos corpos. Há no livro um prazer estético, sinestésico – do contato entre sujeito e objeto – que a internet não substitui. 

Querem mais evidências? 1.Um estudo publicado pela American University, de Washington constatou que 92% dos jovens entrevistados ainda preferem o livro em papel. 2. Nas últimas décadas, multiplicaram-se as editoras independentes na América Latina, assim como os escritores que publicam por conta própria. 3. Feiras gráficas, com publicações alternativas, como zines e livros costurados são cada vez mais populares entre jovens que circulam pelas áreas de Letras, Design, Artes Visuais. 4. Nós da Luminara, que somos uma editora pequena, recebemos muitos originais que não damos conta de publicar. Multipliquem isso por todas as editoras, pequenas, médias e grandes: é um mar de livros em potencial.

Das homenagens que podemos fazer a Umberto Eco, talvez a maior delas seja, enfim, seguir lendo livros – ou como nós da Luminara, publicando-os! - ecoando em nossas vidas o amor e o entusiasmo deste intelectual pelo esforço da nossa espécie em criar e compreender a si mesma. No que depender de nós, não contem com o fim do livro. :)



Boas leituras!
Abraços

Giulia Barão

19 de janeiro de 2016

Do trauma à trama: o espaço urbano na literatura brasileira contemporânea: lançamento do novo volume da Série Limiar



Nossa casa editorial está celebrando! O novo livro da Luminara Editorial é o segundo volume da Série Limiar, coordenada pelo Prof. Ricardo Barberena.

"Do trauma à trama: o espaço urbano na literatura brasileira contemporânea" tem organização de Profa. Dra. Regina Dalcastagnè e Prof. Dr. Ricardo Barberena. O livro será lançado na Universidade de Santiago de Compostela, na próxima semana, entre 25 e 27 de janeiro, por ocasião do  "VI colóquio internacional sobre literatura brasileira contemporânea: o local, o nacional, o internacional".

Acesse o link para o evento, com detalhes e sua programação!


Acompanhe as novidades!

Abraços,

Luminara Editorial