Desde
que entrei na Luminara Editorial, tenho pensado sobre o privilégio que é
poder trabalhar em um lugar com cujos princípios diretores eu tenho bastante afinidade e na área que me apaixona. Isso só é possível graças a condições financeiras prévias, uma educação
de qualidade, um percurso familiar e social que me deu liberdade
para ir descobrindo quem sou e no que acredito, enfim, uma série de
condições que me permitem dizer não à proposta de trabalho de uma multinacional e preferir
trabalhar em uma pequena editora.
O
pequeno, o próximo, o íntimo. E também o leve, o simples, o
cuidadoso. Estas são ideias que orientam a Luminara e sobre as quais
tenho conversado com a editora e diretora, Betina, nas nossas
reuniões de trabalho. Em uma dessas conversas, descobrimos o carinho em comum pelo escritor italiano Ítalo Calvino, que, não por acaso,
inicia suas Seis Propostas para o
Próximo Milênio (Cia. da Lestras, 2012) falando
sobre a Leveza.
O
livro é um conjunto de cinco conferências ministradas por Calvino
na Universidade de Harvard, em 1985, como convidado anual das Charles
Eliot Norton Poetry Lectures.
Cinco porque ele faleceu antes de escrever a última, que se
destinaria à Consistência.
Saliento esta ausência porque a considero significativa para uma
leitura de nossa época. É como se Calvino tivesse sido impedido de
dizer com todas as letras aquilo de que carecemos para reconhecer a
diferença entre leveza e leviandade. É como se ele tivesse deixado
que a palavra solitária – sem definições - nos provocasse a
pensar sobre o que está nos faltando.
Não há leveza sem peso, diz Calvino, ecoando séculos de metáforas
sobre as dicotomias necessárias entre a terra e o ar, o terreno e o
espiritual, o material e o abstrato, o desânimo e a alegria. E se
esses pares já estão tão desgastados em nossas mentes, por que
ainda ganham relevância na virada do século XX para o XXI? Porque
há milênios temos dificuldade de nos livrar do peso da vida – das
relações pessoais e politicas, das pressões e desigualdades
sociais, das angústias existenciais – sem cair na leviandade ou na tragédia. Dói
admitir, mas vencer o peso não é ignorá-lo, isolando-se em uma posição defensiva ou alienada; nem abandonar-se a ele, com uma atitude
niilista.
Vencer
o peso é assumi-lo e transformá-lo, por meio de um trabalho
constante que o faça perder em excesso e insustentabilidade o que
ganha em consistência. Mais uma vez, estamos falando de privilégios
e, por isso mesmo, de responsabilidades: isto de poder e dever usar a
reflexão, o conhecimento, a capacidade criativa, a abertura para os
encontros, de maneira engajada, buscando construir relações
pessoais, sociais, de trabalho, que sejam leves e consistentes. É
claro que ninguém sabe como fazer isso a
priori,
mas a história – social e pessoal – tem me feito acreditar cada
vez mais nos efeitos do pequeno, do próximo, do íntimo - na
micropolítica do cotidiano.
Giulia Barão
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