8 de abril de 2016

Para exercitar a escuta: “Memórias de um corpo eviscerado”


As Humanidades Médicas - que compõem uma das principais linhas editoriais da Luminara -  são o campo de contato entre o aspecto científico-biológico da Medicina e sua dimensão humanística.  Se o aprendizado técnico e científico está voltado para o diagnóstico e o tratamento de enfermidades; as artes, a sociologia, a história, a filosofia servem para que o profissional da saúde possa escutar melhor o indivíduo que padece. Como diz o Prof. Ricardo Tapajós: nas frases que descrevem os sintomas, o médico precisa ler além da doença, o doente. Pois a forma como cada um lida com os limites do próprio corpo, as dores, o sofrimento, o medo da morte, o desamparo - tudo o que diz respeito à condição de paciente  -  importa para o tratamento. 

“Memórias de um corpo eviscerado”, de Elizabeth Brose, publicado pela Luminara Editorial em 2011, é um livro de ficção, em prosa poética, que apresenta fragmentariamente as percepções de uma mulher que sofreu de câncer no colo do útero. Durante a leitura, é difícil não sentir calafrios no ventre cada vez que a narradora repete “meu útero foi aberto com uma lâmina afiada e pontuda”. Percebam: a forma de dizer define o sentido de sua dor. Para ela, a cirurgia  não é um simples procedimento técnico, é uma amputação – do seu corpo e da possibilidade de ter filhos. Dói em nós porque a linguagem é dolorida, contundente. É um livro de construção poética muito rica, nas imagens ora cruas, ora delicadas, e na maneira fragmentária de narrar, como se aquela que nos conta estivesse totalmente dilacerada, buscando recompor seus pedaços, tentando reunir eu e mim num corpo que já não pode gerar um outro.

Este não é, portanto, um livro sobre o câncer, mas sobre o significado do câncer para uma mulher específica, em sua maneira singular de compreender a si mesma antes, durante e depois de padecer desta grave doença. É nesse sentido que, além de ser uma obra literariamente valiosa, o livro de Brose também interessa às Humanidades Médicas. Pode servir - como salienta o prof. Ricardo Tapajós em resenha que compõe os anexos do livro – para a sensibilização dos profissionais médicos à singularidade de cada paciente. Isto é, as doenças se repetem, também os diagnósticos, mas não a experiência de cada sujeito. 

“Memórias de um corpo eviscerado” pode ser encontrado na Livraria Cultura, na Livraria Bamboletras e na Palavraria. 

Boa leitura! 

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